No post O que observar em grandes interpretes? (parte 1), expliquei um pouco dos princípios básicos da coordenação neuromuscular na performance musical. Nessa segunda parte, observando o uso da violoncelista-referência, Jacqueline du Pré, trazemos atenção na qualidade que determina a coordenação.
O que observar em grandes intérpretes? (parte 2)
Uma boa coordenação é fundamental em relação a qualidade do som, a eficiência na velocidade, o resultado geral da performance. Mas claramente nós não somos só ossos e músculos… Algo ‘coordena’ a coordenação! Para acessar a organização que nos permite tocar no máximo do nosso potencial, é necessário dar crédito para nossa totalidade: corpo, pensamento, emoção – tudo junto misturado.
Como tocar um instrumento é uma atividade extremamente exigente em todos os níveis – físico, mental e emocional – não resta tempo ou energia para pensar fora da produção musical. Pensar em ‘relaxar’ ou ‘soltar os ombros’ as vezes atrapalha mais do que ajuda, porque significa pensar em partes. A consciência corporal (presença) é um processo que se refere em sua totalidade e não apenas em partes.
Ao invés de procurar soluções que criam separação, vamos resumir o processo em duas perguntas:
Na hora do desafio:
1) Qual é o meu estado de presença?
2) Como este estado de presença influencia a minha coordenação?
A Jacqueline du Pré é o modelo mais perfeito da ligação entre coordenação e presença. A riqueza do som e da interpretação dela, tanto quanto a competência técnica, tem como base um estado de presença ‘favorável’.
Presença é um termo realmente difícil de descrever. Então, vamos explorar o que seria um estado de presença desfavorável.
Sabe quando tem que subir três andares de escada com as compras de supermercado, a mochila e o instrumento? Não é um a regra, mas a maioria de nós reagimos com uma ‘mini-depressão’ no instante antes de subir a escada, dando um estado de presença de ‘coitado de mim’. E a subida que segue é uma subida difícil, pesada e desagradável.
Esclarecimento: estado de presença não significa necessariamente estado de humor. Vamos pensar a presença como qualidade diretamente ligada com a coordenação. ‘Coitado de mim’ é um exemplo de estado de presença desfavorável, que influencia a coordenação no jeito pesado, por isso que subir a escada vira uma tortura.
Quando separamos coordenação e presença, os problemas começam. Por exemplo, encontrando um trecho difícil da música a reação mais comum é ficar repetindo até ‘ele sair’, vendo a situação como desafio físico e esquecendo todos os outros aspectos do meu ser. No caso da ansiedade no palco, nós classificamos o problema como estado ‘emocional’, mesmo se o corpo fica tenso e lidar com aquilo vira impossível.
Voltando ao princípio mais básico da Técnica Alexander:
A competência principal da Jacqueline era sempre tocar em um estado de presença favorável – não necessariamente felicidade, mas a ausência de estados desfavoráveis. Essa competência se traduz em eficiência no movimento e observando-a, isso fica claro. Não é uma questão de alinhamento, é uma questão de qualidade. Em outras palavras, a qualidade da sua presença vai determinar o seu equilíbrio corporal!
Detalhe: Outras pessoas tem isso mais natural, outras menos, mas em qualquer jeito é algo para praticar.
Agora, traga na mente todas as vezes que um trecho musical difícil te deixou com raiva, preocupado, ansioso e quantas vezes você continuou tentando tocar mantendo este estado de presença. Na próxima vez que você se encontrar em um estado de presença desfavorável, faça o seguinte exercício: assume o seu sentimento, permitindo ele existir, sem deixar com que ele comande sua coordenação.