Foi um prazer participar numa breve entrevista com o aluno da USP Matheus Cavalari, para auxiliá-lo no seu trabalho de conclusão.
Compartilho por aqui algumas das perguntas mais relevantes e espero que seja proveitoso!
Entrevista sobre Técnica Alexander e Concentração
Quais são os fundamentos teóricos e práticos da Técnica de Alexander?
A Técnica Alexander consiste em um processo de reeducação psicofísica, onde o indivíduo se torna cada vez mais capaz de responder a estímulos de forma consciente e escolhida.
F.M. Alexander era um ator australiano, que sofrendo com problemas persistentes de perda de voz desenvolveu um processo de auto-observação e reorganização do corpo, inicialmente em relação ao estímulo da produção vocal e posteriormente em relação a todos os aspectos da atividade humana.
O método se baseia em dois princípios fundamentais:
1) a unidade psicofísica ou inseparabilidade entre corpo e mente, e
2) o controle primário, o entendimento que a qualidade de equilíbrio da relação entre cabeça e espinha vertebral determina a qualidade de equilíbrio no resto do corpo.
Com base a esses dois princípios Alexander introduz o termo Uso de Si Mesmo (titulo do seu terceiro livro), descrevendo assim que não podemos falar de “uso do corpo” ou “uso da mente”, pois não é possível separar um aspecto da expressão humana do outro. E além disso, o Uso de si mesmo é manifestado na relação entre cabeça e espinha vertebral antes de tudo.
Na prática, a Técnica Alexander é colocada em ação no processo da resposta consciente. Alexander identificou que o ser humano costuma a responder em estímulos de maneira instintiva, que frequentemente está associada a um mal Uso de si mesmo. Um exemplo clássico é a resposta ineficiente do ser humano ao estímulo de sentar de forma equilibrada em uma cadeira. Observamos que ao usar a cadeira para sentar a maioria de nós costuma a começar tencionando excessivamente a musculatura das costas, e depois de um tempo a tendência forte de “colapsar” na cadeira leva o indivíduo a uma postura tão ineficiente quanto a primeira, que envolvia um excesso de tensão.
Uma forma prática de usar a Técnica Alexander é começar identificando que a atividade de sentar consiste em uma série de estímulos em quais respondemos de forma psicofísica, ou seja, utilizando tanto o nosso corpo, quanto a nossa mente e consciência. Próximo passo seria trazer a atenção no equilíbrio entre cabeça e espinha e permitir que o corpo se reorganize de forma apropriada, ao invés de tentar “segurar” o corpo através de esforço muscular desnecessário. O terceiro e último passo seria continuar incluindo à consciência do Uso de si mesmo enquanto estiver sentando, conversando, trabalhando, tocando um instrumento, etc…
Em sua avaliação, como a T.A. Pode contribuir para melhoria da concentração durante o estudo do instrumentista?
Muitos livros são escritos sobre o dialogo interior de atletas ou artistas de alta performance. No meu entendimento a Técnica Alexander pode contribuir imensamente no estado de concentração e pensamento construtivo através da consciência do Uso de si mesmo. Situações como desconcentração, pensamento catastrófico ou foco com excesso de tensão podem ser transformadas ao serem vistas como estímulos, em quais estamos constantemente respondendo consciente ou inconscientemente.
No meu estudo e performance como instrumentista, gradualmente o meu estudo virou menos focado à partitura e a música e mais focado em como deixar o meu corpo e mente virar um canal livre, sem travamentos ou tensões desnecessárias. Curiosamente, este “desfoco” fez que a minha concentração ficou cada vez mais eficiente, pois a T.A. me ajudava a ficar mais presente e ampliar o meu campo de atenção.
Um exemplo prático é o preparo para uma audição. Como o estimulo de uma audição é bem carregado é fácil que a concentração fique hiperfocada, o que evoca um estado de alto estresse no sistema neuromuscular. Como a situação de alto estresse não pode ser mantida por muito tempo, uma das respostas comuns do sistema é a desconcentração. Uma forma de utilizar a T.A. é começar reconhecendo a série de estímulos envolvidos ao processo da audição (por exemplo, o estimulo de se posicionar em frente de uma banca, o estimulo de se apresentar, o estimulo de estar sendo observado e avaliado, o estimulo de pensamentos catastróficos surgindo, todos os estímulos relacionados a interpretar a sua peça, etc…) e se preparar para responder construtivamente a cada um destes estímulos.
Um ponto de partida para responder construtivamente é reconhecendo o equilíbrio da cabeça em cima da espinha vertebral, de forma que amplie o campo da atenção (por exemplo, na hora que eu noto pensamentos que geram desconcentração, voltar com a minha atenção no equilíbrio da cabeça em cima da espinha).
Este processo de despertar da consciência do Uso de si mesmo é uma habilidade que conforme praticamos fica cada vez mais disponível, tanto no estudo quanto durante a performance.
Por fim, a T.A. para mim, é uma forma simples para acessarmos a riqueza dos nossos recursos e um estado de concentração apropriada que podemos renovar é dentro desses recursos. Porém, para renovar a concentração, é necessário estar afinado à consciência do Uso de si mesmo, para poder notar imediatamente quando a concentração começa a vacilar. A habilidade de estar afinado e “escutando” o próprio sistema, é o que a prática da T.A. nós oferece.