O Princípio de (Des)Prazer na Prática – por Pedro de Alcantara

Pedro de Alcantara dá 12 dicas para otimizar o potencial musical. Foto de Ahmad Jamal quando jovem.

Pedro de Alcantara é o convidado especial do blog CCPM. Neste artigo, ele dá 12 dicas essenciais para você reconhecer seus padrões de comportamento e organizar sua prática para maximizar o essencial (mesmo desagradável) e minimizar o prejudicial (mesmo agradável).

Você acorda grogue depois de ficar virando na cama. Talvez a noite foi quente demais, talvez seu companheiro ou sua companheira roncou pra caramba – não importa. Tudo o que importa é o café, o néctar preto que levantará seu humor e lhe dará esperança por mais um dia. Você se levanta, faz seu café, começa a tomar. E, milagre dos milagres, tudo rapidamente muda. Sua circulação acelera, sua dor de cabeça desaparece, a criatividade se desperta e você perdoa seu companheiro(a). Então você está pronto para sair da casa e se juntar à orquestra para o seu ensaio matinal.

Prazer e desprazer determinam muito do que fazemos, seja nas escolhas banais que fazemos sobre comer, beber e dormir, ou nas questões mais sutis de interação pessoal, crenças estéticas e métodos de trabalho. E obviamente também é assim com a sua prática diária. Tudo o que você faz na sala de prática acontece ao longo de um contínuo de prazer e desprazer. Praticar é uma arte multifacetada. Em uma sessão de trabalho de 30 minutos, você pode passar facilmente entre fazer algo construtivo e inventivo e perder seu caminho com um hábito insensato.

Sua prática é de quatro tipos: essencial, útil, inútil e prejudicial. 

Cada tipo pode ser prazeroso ou não. Vamos ver alguns exemplos.

Vamos supor que você está preparando a sonata de violoncelo de Claude Debussy para apresentar. Nela há uma dúzia de diferentes variedades de pizzicato: notas simples, duplas e triplas em arpejos e acordes, com glissandi, com sforzandi, está tudo aí. Mas, quando você trabalha no seus pizzicati, seu polegar direito fica dolorido.

Com o tempo, o polegar desenvolve uma bolha ardente. Todo o seu braço dói, até o ombro e o pescoço, em parte porque você estava inconscientemente tentando proteger seu polegar e sua bolha pulsante. Se você perseverar – e somente se você perseverar – a bolha torna-se em um calo. Então você se livra da dor e seus pizzicati se tornam controlados, poderosos, satisfatórios para tocar e ouvir. Mas não é uma surpresa que você talvez evite praticar pizzicati por completo. Embora essencial, é trabalho desprazeroso.

Durante os dias próximos da apresentação do Debussy, você passa algum tempo em um exercício cheio de cruzamentos de cordas rápidas na ponta do arco. Você gosta de mexer o pulso e o antebraço em altas velocidades e produzir um som vítreo que desperta sua imaginação e o transporta para um lugar distante da sua sala de prática. É certamente útil e agradável trabalhar em sua destreza e sua criatividade. Mas, dada a apresentação do Debussy chegando – onde esta arcada particular não aparece – não é essencial que você o faça.

Uma manhã, o espírito rebelde de uma criança espertinha entra em você, e por um tempo você se esquece da vida adulta. Você coloca seu violoncelo no seu colo e começa a tocar como um instrumento de percussão, batendo em seu lado com sua palma aberta e tamborilando com seus dedos. Por mais agradável que seja, a sua bateria é, em última instância, inútil para a sua preparação do recital.

Há um salto de uma oitava no Debussy que lhe dá problemas. Você toca de novo e de novo, perdendo a nota superior mais frequentemente do que não. O quanto mais você quer acertar, maior o esforço que você coloca, balançando a cabeça e o pescoço junto com a mão esquerda, enquanto ela se move ao longo do braço do instrumento.

Depois de três minutos, você ainda erra o salto, e sua própria alma está impregnada com sentimentos de fracasso e a apreensão de até maiores fracassos no palco. Admita: o que você tem feito não é essencial, útil ou inútil, mas francamente prejudicial. Apesar disso, você sente o prazer de estar se envolvendo em uma luta e parecendo estar trabalhando duro.

“Sua tarefa como músico é reconhecer seus padrões de comportamento e organizar sua prática para maximizar o essencial (mesmo desagradável) e minimizar o prejudicial (mesmo agradável). Ao procurar o essencial, você terá muito tempo para o agradavelmente útil e para o agradavelmente inútil.”

ABAIXO, 12 DICAS ESSENCIAIS PARA VOCÊ COLOCAR EM PRÁTICA

Nada é físico, nada é psicológico; tudo é psicofísico (sua reação ao café prova isso, conclusivamente). Praticar não é exceção. “Pensar, agir, sentir, fazer escolhas” é preferível a “atuar”.

Todo o corpo está presente em tudo o que você faz. Em vez de exercitar os dedos, tome consciência da sua cabeça, pescoço, costas e pernas. Pouco a pouco, descubra como eles colaboram com o trabalho de seus dedos.

Desenvolva o hábito de analisar cada situação musical: prática diária, ensaios de música de câmara, preparação de concertos. Tenha como objetivo tornar-se capaz de resumir, em trinta segundos ou dois pequenos parágrafos, o que é essencial em cada situação e quais são seus problemas e suas possíveis soluções.

A música é um idioma e, como todas as línguas, é ritmicamente estruturada. Se você praticar um gesto divorciado de seu conteúdo rítmico, você está fazendo mais mal do que bem. Deixe cada nota ser uma sílaba ou uma palavra, sugerindo uma frase ou parágrafo significativo. Quanto mais a sua música for linguística, mais essencial (e agradável) será sua prática.

Tente se pegar quando envolvido em padrões de vício (fazendo demais) e evasão (não enfrentando as questões musicais e técnicas em questão). No começo, pode ser mais fácil observar esses padrões em outras pessoas. Passe pelos corredores de uma escola de música e ouça o que acontece em cada sala de prática. Não é chocante como algumas pessoas abusam de seus instrumentos de forma insensata? Com o tempo, você se tornará mais capaz de detectar as suas tendências prejudiciais, que por muito tempo chocavam seus amigos e colegas!

É impossível praticar bem por oito horas ou mais por dia. Se você eliminar todos os momentos prejudiciais dessas oito horas de trabalho, provavelmente sobrariam umas três ou quatro horas no máximo. Prática curta e essencial é incomparavelmente superior à prática longa e prejudicial.

O prazer e o desprazer têm o seu lugar legítimo na vida e na prática. O problema consiste em basear julgamentos absolutos (“bom, mau, sempre, nunca, deve, não deve”) somente no prazer e desprazer. Uma atitude sóbria durante a prática, independentemente de quão intenso seja o prazer ou a dor em questão, ajuda você a aprender e seguir em frente.

Praticar, como beijar, pode ser repetitivo sem se tornar mecânico. E, como beijar, pode ser totalmente prazeroso por um longo período de tempo.

Alterne frequentemente entre exercícios e pausas. Ao refrescar-se constantemente, você evitará cair nas armadilhas do hábito sem sentido e da prática prejudicial.

Trabalhe na solução, não no problema. Vamos supor que o problema é uma mudança de posição. Ficar mudando de posição repetidamente é trabalhar no problema. Trabalhar na solução é melhorar a coordenação geral, o ritmo e o tempo, o uso do arco e assim por diante.

Os exercícios simples perfeitamente executados são sempre úteis e, muitas vezes, essenciais. Eles exigem mais atenção do que geralmente assumimos.

Apenas alguns gênios têm a capacidade de trabalhar principalmente no nível essencial, sem dor nem fadiga. Nós, músicos de capacidades médias, devemos nos conduzir para esse objetivo toda a hora. Não importa se nunca alcançarmos o essencial na sua totalidade. O principal é melhorar nisso semana a semana, mês a mês, ano após ano.

Para saber mais: Pedro de Alcantara – https://www.pedrodealcantara.com/

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